Páginas

sexta-feira, 20 de março de 2009

Os telefones, a tristeza, o aeroporto e a tempestade.

Diário de bordo de um futuro escritor de cinema. 18 de março de 2009. Altitude: 10.347m. Horário: Entre meia noite e uma hora. Temperatura Externa: -44 graus centígrados. Localidade: Saindo de Guiana e entrando na Venezuela, ou pelo menos seus respectivos espaços aéreos.
Lugar: Solidão.
Não tenho fixação pela morte, nunca fiz o tipo. Mas quando decolamos ao meio de raios, tenebrosos trovões e chuva monçônica é difícil não deixar a imaginação levar. Sou forçado a me conter para não comentar com o viajante ao meu lado sobre a beleza eufórica de ser tomado a vida pela ira de uma tempestade. No interior dos meus olhos, tenho apenas visões de explosões, metal sendo amassado como papel , fogo e o tapete negro do oceano. Quando a turbulência é finda e a iminência do desastre se esvai, retiro-me à solidão, eterno lar no escuro. Na pista de decolagem delirei a imagem de um velho cego e um cachorro ao seu lado. Fizeram sombrio o tom da noite, de pé ali no concreto, na chuva, sob a luz branca emitida como farol pela torre de comunicação do aeroporto, esperando. Curvado por trás dos vinte centímetros de acrílico frio da janela, me senti doentio ao vê-los, tomado violentamente pela morbidez. Percebi que estavam virados em minha direção, mesmo a distância enxerguei o branco dos olhos do velho e juro que me viam através da noite. Me penetravam como a chuva áspera e congelada que batia na carcassa branca e artificial da aeronave. Delírio. Mantenho acesa a lanterna de meu assento para que eu possa escrever, o resto da tripulação desaparece na escuridão. Pelos cantos de meus olhos tenho a impressão de avistar uma figura negra se movendo por entre as fileiras. Cochilei e acordei gritando ao ver a figura ao lado de meu assento, enorme e imponente, imersa em garbos pretos como o desespero, a morte chegada. Mas era fantasia de minha mente aflita, perturbada, havia apenas a escuridão do vôo e as luzes fracas das lanternas de outros passageiros. Me tranquei no banheiro com meus papéis e caneta. Quero chorar. Não aguento mais sua ausência em minha vida. Posso dirigir, tocar Rolling Stones na guitarra ou filmar roteiros inteiros em Nova Iórque com a camêra enferrujada de uma amiga loira e simpática, mas todas essas coisas não fazem sentido senão para me aproximar de ti de alguma forma até então misteriosa.
Não faço idéia mais, estou vivendo a vida na sorte, deixei o instinto me tomar. Um homem solitário, porém, hei de ser enquanto permanece a distância. Como posso me aproximar de alguém enquanto viajo 5 mil kilômetros em uma lata fálica voadora na outra direção? Suponho que estou traçando meu destino, confiando nele para me encaminhar ao redor do mundo e pousar no conforto de seu quarto, encharcado e idiota no seu coração. Delírio? Não tenho medo da morte. 86 páginas de Clarice Lispector em um novo país. Não é uma mulher especificamente destemida, ou especialmente apaixonada. Não consigo a ver amando a um homem. Onde será que eu encontrarei respostas? Será que sou capaz, como eu mesmo disse, de encontrar a plenitude? Mesmo escalando as montanhas de Japhy, mesmo me embriagando como Tom ou meditando como John? Mesmo com ou sem você, ou vivo ou morto? Eu teria sido um péssimo carteiro e um ótimo piloto, eu acho. Oh a solidão. Oh morte. Morte solidão, planeta azul escuro, destino… Turbulência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário