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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Página 1

Na margem amarela e poeirenta da rota nove, em algum remoto e inóspito ponto entre a decadência da cidade de Reno e o refúgio de Carson City, eles desligaram o motor e saíram do carro. Wenatchee encostou-se ocioso no capô sujo e amassado do velho ford e vestiu suas luvas de couro de alces Shirasi do Wyoming, que seu avô lhe dera em um outono de muitas celebrações, anos atrás. John e George haviam despido até a pele e desçido em correria e libertação pela areia escaldante para uivar aos coiotes e aos espíritos do deserto, longe da auto-estrada. Eles voltariam com os pés esfolados em carne viva e com os corações cheios de água de cactus e novas canções. Alice havia atravessado o tapete de asfalto para mijar entre os arbustos secos e as pedras altas que ali havia, mas já voltava, balançando seus braços dóceis ao redor de si, as pernas longas e o cabelo loiro brilhando sob o sol impiedoso. Ela sempre vestia-se com bermudas curtas e camisas sem manga como se, desde o útero, ela houvesse sido divida em partes iguais aventureira e feminilidade. A tarde começara a se manifestar ao redor do carro ancorado. Além do brilho estonteante do sol, o céu trocava sua coloração diurna por tons cansados de amarelo e marrom como o couro do veado depois de seco, como o cerrado de Kansas no inverno e como os cabelos de Alice. Wenatchee limpou o suor quente de sua testa com o antebraço. Alice veio chegando sem levantar a cabeça, concentrada nas próprias mãos, que ela parecia beliscar repetitivamente. O índio não perguntou então ela disse "Cactus" e ele assentiu em silêncio. Ela encostou no capô ao seu lado, e logo em seguida pulou com um grito. "Queimei minha bunda!" ela chiou por entre os dentes, esfregando-se em consolo pelos bolsos de trás do short. Wenatchee permaneceu sem falar, mantendo sua expressão imutável de calmaria e lazer. Apesar da dor, Alice encostou novamente no carro, dessa vez lentamente. Sentiu seu corpo tremer com calafrios ao se acostumar com a temperatura do metal. "John e George estão a procura de suas perdidas almas novamente?" Wenatchee assentiu com a cabeca. "Eu mal posso esperar para ouvir." ela disse sorrindo seu sorriso de menina, com os dentes todos a mostra. "Conte-me uma história, Wenatchee. Por favor! Uma história da sua tribo que tenha sido passada a você através das gerações!" ela disse. Wenatchee a olhou profundamente então, como ele tinha mania de fazer, com seus olhos impassíveis que pareciam mergulhar dentro de seus. E então ele fitou o deserto estéril aonde os rapazes haviam corrido sem pensar duas vezes, urrando como maníacos. Ele passou longos minutos sem desviar o olhar da paisagem árida antes de iniciar seu conto. Alice esperava ansiosa, os olhos grandes tentando captar o momento como lentes de uma câmera filmadora escondida em sua mente, que gravaria cada segundo eternamente na memória como cristais preciosos. Wenatchee fechou os olhos e após um quieto e longo instante levantou os dois punhos cerrados com os braços estendidos acima de sua cabeça.
"Grande Coruja, Mãe da Floresta Juniper, sou o guerreiro Filho dos Rios, River Child, e trago a ti o corpo de meu irmão, Apanhador das Tempestades, Storm Catcher. Ele foi morto pelas mãos de um habitante de sua floresta, um que tem pinturas de guerra azuis e veste dois braceletes trançados com pele de cobra. Eu venho pedir sua permissão para adentrar sua floresta de beldades naturais, encontrar esse homem, e o desafiar a um duelo para que eu possa vingar a morte de meu irmão." E então Wenatchee jogou os braços ao solo quente como se descarregasse um grande fardo e ajoelhou-se com a cabeça curvada para baixo. Ele havia iniciado o conto. Levantou-se para continuar, concentrado por debaixo de seus olhos fechados. "O silêncio da noite ecoou pela floresta enquanto o jovem índio esperava, ajoelhado. A lua dançava por entre os pinheiros com seu longo manto branco, derramando brilho como um rio luminoso pela mata escura. O vento balançava as árvores e elas balançavam, sussurrando como as ondas ao se esfregarem umas nas outras. Muitas horas se passaram na noite. A lua ergueu-se graciosa ao topo do céu, antes de se ouvir resposta. De início pareciam as batidas de um coração, e o jovem River Child imaginou estar ouvindo o pulsar do coração da floresta. Com a cabeça abaixada ele via apenas as folhas alfinetes cobrindo o chão húmido ao redor de seus pés, mas a magnitude daquele ritmo o fez estremecer por dentro. Ao se aproximar, porém, o som se tornou mais nítido e pôde-se perceber que era, na verdade, o bater forte de enormes asas por entre as árvores. Vum. Vum. Vum. Vum. O guerreiro respirou fundo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O fim do amor.

Os dois personagens estão na rua, em pé ao lado um do outro. Um jovem e uma jovem. Esperam o semáforo mudar para que possam atravessar. É uma manhã ensolarada, de iluminação estourada, a imagem super-exposta, de forma que tudo parece brilhar. Ao redor deles outros esperam o sinal.
-- O quê?
-- Quê?
-- Então...
-- O quê?
-- O que estou fazendo aqui?
-- Você não queria estar aqui?
-- Me diz porque.
-- Eu preciso de você. Eu preciso de você hoje.
-- Que bom. Tá bom.
O semáforo fecha e a multidão começa a atravessar, passando por eles. Ele espera um pouco, perdido em si, e então atravessam. Andam em direção à loucura e a inevitável batalha na Lapa. Andam, sem saber, em direção ao escorpião gigante, devorador de almas.

Acordo na sala de cinema, perdido na história. Eles eram amantes? E agora... espíritos? Assombrações. Se o amor é a vida, reflito no escuro, é possível findar o amor? E se o amor não for a vida, não quero a vida. Acordo persistentemente em salas de cinema, em salas de aula e fico mudo. Lá na tela os amores perfeitos, tudo cheio de vermelho, onde até a dor é gloriosa, encantadora. A chuva invade o salão pelas saídas de emergência e em um inundar erótico vêm enchendo as fileiras d'água. Nós entramos nos filmes para afogar.

O fim do amor era um arquivo .mp3 no aparelho digital que aquela garota escutava. No último banco do ônibus, os fones de ouvido a retiravam dali como uma pinça. Ela estava imersa no fim do amor. Era uma canção breve de uma linha só que se repetia inexaustivelmente. Bem menos que uma sonata. Apenas um assobio solitário, vibrante. A trazia memórias de sua avó e o apartamento em Laranjeiras. Ela escondia-se dos pais, dentro da banheira de cerâmica verde no banheiro, por não querer voltar para casa. Sempre a encontravam mas ela nunca desistia do esconderijo; sentia que aquela banheira velha e cafona a protegeria de qualquer perigo.
O apartamento de dois quartos era suficientemente comum, em sua essência. Lar de idosos, de ar mofado, reutilizado, todas as mobílias relíquias de uma época que a menina nem acreditava ter existido. Para ela, porém, cada centímetro histórico daquele lugar era um tesouro roubado, pilhado, escondido, enterrado e finalmente descoberto por ela, que se metia nos cantos como uma toupeira para tocar nas coisas e abrir gavetas.
Encontrava fotografias sem cores, manchadas e danificadas pelo tempo, em que jovens vestidos de velhos pareciam personagens do cinema. Encontrava moedas de ouro, de prata e marrom, todas em línguas desconhecidas e algumas incrivelmente valiosas (ela sabia disso pois nelas estavam escritos números como 1500 e 35000). Guardava todos os tesouros descobertos em uma gaveta no quarto de hóspedes, cobertos por um pano para não se perderem na poeira.
O maior tesouro que encontrara nas empreitadas foi uma caixa musical preta e vermelha, com uma manivela de um lado para tocar-se a música. Passava horas girando aquele braço prateado, pequeno até para as mãos de menina dela, se deleitando com as notas que cantavam em segredo só pra ela. No lado da caixa, uma inscrição: "Le Fin D'amour". Ela repetia essas palavras, tão bonitas aos seus ouvidos, as cantarolando na melodia que soava. Ainda cantava para si, mais de 20 anos depois, no último banco do ônibus que passava ali.

domingo, 13 de setembro de 2009

Ostramirim

Ostra, você é uma ostra. Você é uma pérola, tem casulo. Você é um tigre, o olho do tigre. Ostra, eu sou o reflexo. Deixe-me ser o reflexo. Mudo e preto, na superfície do lago. E você a ostra no fundo. Você o fundo do lago. Eles tocaram Led Zeppelin, justo naquela hora, ali no bar. Led Zeppelin é alma do rock. Led Zeppelin é o amor dos jovens. Onde tudo se resume e se resolve. No estouro, na efusão. E eles ligaram o rádio bem quando te vi. Assim, chamando táxi, ou esperando na porta, ali, do outro lado da rua, do outro lado da sala. Eu sentado no bar, vendo tudo preto, e você brilhando. Pérola, oceano de luz. Branco no meu preto, dano. Meu coração aberto à música xiando do rádio. A guitarra encendiando, e seus olhos gigantes. Meu coração aberto pulsou e jorrou o sangue. Sentada ali na cadeira, eu quase caindo do banco. Cara que luz pulsante, que dano.

Eu sou a loucura, ostra, e você os olhos. Ou, se você quiser ser a loucura, serei a ostra e você o fogo. Fogo que faz abrir. Abrir a boca como se abre um livro. Abrir a pele como se fosse abrigo. Abre-me, abro-te, abra-te-sésamo. Abracadabra e enfim, magia. Ou loucura. Ou magia. Para abrir os olhos como quem abre a ostra, e dentro a pérola. Abre a pérola, e dentro a magia. E usa a magia para se jogar do edifício e não tocar no chão. Fazer soar Led Zeppelin no ar, sem rádio e sem agulha, com faíscas nos dedos. Lambemos os dedos e molhamos o mundo, para tocar nas plantas, para explorar as trilhas. Ostra, no fundo, onde flanastes flanarei. Pelo menos agora, no momento ápice, primeiríssimo pico. Aqui no flagra, na descoberta, as cortinas abertas e o espetáculo. A água fria, gelada, que rouba a respiração do peito. Ostra, caí do topo do parapeito.

John says it best. He says it so hard, man.

domingo, 30 de agosto de 2009

Eu perdi você no mar, disse o homem.

-- Eu perdi você no mar, disse o homem.
-- Eu tinha asas de amor, deslizei pelas ondas e de uma crista verde lancei vôo.
-- Conheceu o céu?
-- Mergulhar nos braços do vento. No frescor azul da atmosfera. Foi como amar a Deus. Uma mulher nua no alto do céu, eu dei meu amor à Terra. Pássara, estrela, ponto luminoso no astral, de meus seios ofertei o leite como chuva ao mundo. Me transformei em uma cinzenta nuvem, cheia e linda, mãe dos meninos de rua.
-- O seu amor é tão bom, ele transborda pelos seus olhos como uma enchente, monção. Eu sempre me banhei e deixei carregar. Como uma criança mesmo.
-- Que bom que você voltou.
-- Meu coração estava seco. Eu acho que demorei tanto por não conseguir sequer acreditar que era possível meu sangue parar. Mas parou e esfriou. O amor precisa que você cuide dele como uma planta, como um bezerro ou qualquer ser vivo. Precisa de luz também. Eu desci ao fundo de um abismo onde nenhum raio alcançava.
-- O que mudou?
-- Eu vi uma menina. As pessoas passavam por mim como escolas de peixes ou folhas mortas. Eu havia desacreditado na pureza há tempo. Na escuridão não se enxerga. Mas uma menina, tão pura, sentou em frente aos meus olhos e me cegou. Como olhar para o sol, só vi luz, queimando minhas retinas e devastando os escombros dentro de mim. Limpou-me por dentro. Teias de aranha, poeira, os fantasmas, vestígios dos amores passados, o rancor... sumiram como as estrelas na manhã clara. Eu nunca saberia que tanto residia dentro de mim. Tantas entranhas.
-- A luz é boa não?
-- Limpa, doce, pura, minha, sua, tão bela, rei e rainha do universo, a luz é boa.
-- Sim.
-- Sim.
-- Vamos deitar aqui e construir uma casa?
-- Uma casa de madeira.
-- Ao pé do oceano.
-- Ela já está pronta. Vê ali, com o filho aprendendo a andar na areia?
-- Oh!
-- Não falta nenhum. Nunca faltou.
-- Falta viver, o futuro.
Ele disse, então, um lindo poema sobre o futuro. Na primeira estrofe começou a chover, na segunda um cavalo se aproximou, cavalgando pela areia, e passou em um galope forte, cheio de vida e honra inabalável. Na terceira estrofe o filho se tornou rapaz e se casou com um moço negro que sempre amou. Na quarta estrofe a chuva arrouxou e o homem e ela fugiram para o santuário da casa de madeira e os lençóis compartilharam. A última linha do poema falou-se no vento, enquanto a noite chegou como o silêncio da alma.
A Terra não vive e morre sozinha.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

-- Olá
(e ele sorri)
-- Quem é você?
-- Eu... sou o escritor.
-- Sobre o que você escreve?
-- Eu escrevo a história do fugitivo.
-- Do que ele está fugindo?
-- Da dislexia das pessoas... dos espaços pequenos.
-- Qual o seu nome?
-- Não sei, quando o encontrei ele já estava fugindo.
-- Então como sabe do que ele está fugindo?
-- Da mesma forma que todos escritores sabem o que se passa com seus protagonistas.
Eu chutei.
-- Umm.
-- E você? Aonde você vai de noite?
-- A noite? Eu vou para o inferno.
-- Faz amigos por lá?
-- Muitos, mas... pouco confiáveis.
-- A sim.
E você é feliz sem mim?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O que é preciso dizer, mas não desentala.

Começa molhado. Começa com explosões elétricas no céu. Difícil me expressar sem saber o que quero dizer. Queria montar a cena e o sentimento e nos estender por montagens incontáveis de quatro minutos. No espaço. Talvez assim fosse possível a compreensão de ambos. Talvez, no acidente das inúteis falas, falasse o que é necessário, e quem ali ouvisse tomaria pra si. Eu na cama vazia, tão desinteressante. Na cama vazio. A mim vêm as vozes. Mas não informam nem auxiliam. As vozes dos velhos amigos, nos nostálgicos momentos que perdi. O que há para se falar se não que perdemos tudo. Os amigos, a mãe, o cachorro, o irmão, o professor. Perdemos até nós mesmos. Então fica o chão gelado no pé descalço, os planos para amanhã, a lista de compra, as vozes. Sorte, daqueles que sabem o que querem. Destemidos, prontos a tomar a vida. Vejo tão claramente o desperdício que é passar os dias pensando no que se quer, definindo o que não se quer, ao invés de tomando o que se quer. Não quero ferir ao próximo. Não quero deixar de contribuir. Quero tomates na feira, banho de cachoeira. Ou desperdício de cérebro, emoção barata. É a estrada para o anulamento da alma, querer e não fazer. Se privar o desejo. O que quero dizer, mas não desentala, é que eu quero amor. Quero a sua chuva em mim, para não ficar seco. Quero a chuva, para dormir tranquilo. Explosões elétricas no céu. Quero ser a mata virgem do Rio. Molhado começo. Sorte, daqueles poucos. Sorte, daqueles outros.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A mentira.

Meu amor, as velas queimaram a casa. Jorrou cera quente pelo corredor. Eu vi tudo na tv. Sucumbi ao gosto de plástico frio da tela. Minha língua gosta do frio e da eletricidade. Que assalto na via dutra com mão suada, "É a paz armada". A vitrola toca toca o som dos acordados e a cidade gira como o disco preto pelos meus olhos bêbados, vou cair nos carros. Ela tirou mesmo a porta do carro? E empurrava pra fora quem não gostasse? Só vi a faca em cima da mesa, como a minha consciência e meu futuro desperdiçado. Você poderia ter feito algo da sua vida, se candidatado. "Eu só queria ser feliz". Ninguém é feliz. Chute na sua cara. As moedas todas caíram ao chão metálico em um tormento de cilintismo. Porque ali o chão havia de ser feito de metal? Temo a minha imagem refletida por baixo, sinto que afogarei nela. Você, minha imagem ladra, sempre piscando pra mim, me acusando de deflagrá-la. Ele pôs fogo na bandeira americana e então sugeriu que eu tomasse jeito na vida. Penteasse esse ninho de cabelo duro, ajeitasse a blusa amassada. Cuspi do topo do prédio e tentei assistir meu fluido sucumbir a morte como queria eu mesmo fazer. Todos querem uma segunda chance, ela disse, e a todos eu daria menos você. Insuportável e imutável e incombinável e relativamente fácil pra qualquer outra pessoa. Os fusíveis estouraram em faíscas e luz perdida e meus olhos se apagaram como a lousa no final do dia. Vou deslizar ao fundo da banheira pra ouvir meu nome chamado do infinito. This is the End my friend. (cantava o conde drácula). "Die Die Die. I can't.". Oh tortura, ó torta de limão. Luta de classes. E também a minha classe, estendida em um barbante tão fino quanto sua paciência. O fiapo da vida é apenas a linha de partida. O navio afunda a tripulação se torna fantasma. Eu vi tudo na tv. Enquanto dormia. Mentira você nunca dorme. Você nunca dorme. Você nunca dorme. Você nunca dorme. Você nunca dorme. Você nunca dorme. Mentira, você nunca dorme.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A igreja e o corpo que deixaram na porta.

Eles vêm a mim como a morte. Como uma madame, um vestido preto e pernas pálidas em cima do piano. Eles me dizem, com o estilo nos bolsos e nos penteados, tudo que quero ouvir da boca de uma amante. Um gemido de prazer, mancha de estrago nos olhos maquiados. Cocaína no banheiro, eles dizem diamantes e afagos, como prazeres. Eu puxo forte o vento pelos dentes pra ser duro pra ela. Um jogo maníaco e depravado em que faço-me impassível e imoral. Ajoelha-te e pede perdão. E ela aquiescente a cada palavra, o fogo nos lábios molhados, os olhos pedantes. Eles vestem ternos e gingam como o jazz. Eu quero um terno de corte moderno. Um escritório vazio, paredes de vidro, no topo do mundo, e ela deitada em cima da mesa, vestido preto largado no chão. Eles sussurram no meu ouvido que tudo é possível, como o doce da serpente. Vou mastigar-te e delirar no doce. Duro, impassível, filho da puta. Enfiarei a mão em você e apertarei teu coração pra te ver derreter como água quente pela minha pele. Vai chover no quarto de hotel escuro. Vai chover como tempestade, hurricane, furacão. Nuvens titânicas circulando nosso lascivo hedonismo. Os trovões vão gritar com ela. Já vi esse filme, conheço esse clímax. Com notas de cem dólares na cabeceira e as listras da luz acesa pelas fendas da porta do banheiro. A cocaína e as marcas frescas nas minhas costas, no rosto dela, nas pernas dela, nos peitos dela e nas costas dela. Eles me prometeram tudo e paguei caro. Nos espelhos, por trás das linhas brancas, vejo meu rosto enrijecido, cheio de sombras. Deixei o adolescente que sustentava em mim na porta do inferno e comi diversas secretárias jovens e auspiciosas na descida de elevador. Agora bebo tequila da barriga de uma loirinha com menos de 20 anos que me promete tudo com os olhos. Aceitei o libidinismo do mundo. Aceitei as políticas e as corporações. Minha vida é dividida em sucessos e... Bem o resto não me importa. Meu carro brilha como meus óculos escuros. Não sei e nem me importo o nome dela, a gente desliza em perdição ao banco de trás. Ela só sabe o nome do meu carro e a fineza da minha voz. Chove dentro do carro. Chove baldes de água fria que bate e ondula entre nossos corpos nus. Chove durante todos os dias, como se o céu chorasse por mim. Pelo meu adolescente que deixei morto com tiro na garganta. Chove como uma ópera, lágrimas pelo rosto do contratenor. Chove como na floresta, verde como o dinheiro, molhada como meu suor falso. Ela é falsa e ordinária, a desprezo. Mas não deixo de esperar o clímax com gosto pela auto-satisfação. Meu sorriso é uma ironia da minha vida inteira enquanto ela cai ofegante no banco de couro, em estupor póstumo. E abro a porta do quarto enquanto visto o terno, andando com meus passos de jazz ao elevador. A luz elétrica e a câmera de vigílio do motel me escoltando de volta a donde vim. A porta do elevador abre e dentro dele, como havia de se esperar, uma secretária, ruiva, com a saia curta e a blusa justa. Descendo. Sempre descendo.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Fragm - tos

Nada batia por dentro. O mundo deslizava ao meu redor ininteligivel, como letreiros neon na chuva, ignoravel como um quadro impressionista. Meus olhos janelas ao desespero e meus oculos uma cela de vidro impenetravel. Fingindo gloria como um bobo alegorico. Mal emitindo pulsos. Como a bateria fraca que retarda o brinquedo e se precisa bater para ver resposta. Como uma vida monstruosa em uma capsula impecavel. Frigido. Moribundo.

Nela havia amor como o oceano. E a marisia brincava nos cabelos dela de verao e fortaleza. Ela veio do inicio, despreocupada, colhendo as flores da vida eterna, como se nao houvesse maldade no mundo. Ela cantava cancoes de amor enquanto estudava e um dia acordaria para se descobrir revolucionaria. Atuante no movimento, indiferente a politica, ela desconhece o egoismo e nao sabe deixar de ajudar, deixar de alimentar a fogueira de vida humana no mundo.

Ela era completa como uma semente no solo fertil. E eu apenas um frag -mento.

domingo, 10 de maio de 2009

i want you. i want you so bad. i want yooou. i want you so good.

o jatahy gosta de ketchup como eu e voce gostamos de ketchup?
A, eu acho que estou com gripe suina. Ou talvez eu apenas esteja de ressaca. Passei muito mal ontem a noite. Dormi durante horas no banheiro da festa com a porta trancada.
entao. sao 4 da manha e eu estou acordado ha muito tempo sem fazer nada pq nao consigo dormir. O meu ipod resolveu tocar Construcao e eu deixei. A poesia do chico buarque eh igual do cara do Neutral Milk Hotel. Os dois sao cronicos depressivos. Beijou sua mulher como se fosse a unica. Mas ela era apenas uma em vinte e quatro. E tropecou no ceu como se ouvisse musica. one day we will die and our ashes will fly from the aeroplane over the sea. Ergueu no patamar quatro paredes magicas. Two-headed boy put on sunday shoes and dance round the room to accordion keys.
eu comprei uma pizza meia noite e um homem atravessou a cidade na chuva para me entrega-la. Apenas nos EUA o entregador de pizza dirige um audi. Ouvi alguem se referir ao portugues como se fosse uma melodia. Achei incrivel. Ele falou que a musica tinha uma melodia como o portugues ou algo do genero. Eu achei demais. Na festa em que eu me estraguei havia uma fogueira e eu queria entrar nela como uma piscina. Uma piscina pegando fogo. Tem uma cena em "True Lies" em que o arnold schwazenegger pula em uma piscina um segundo antes do bandido acender toda a superficie dela em chamas. Seria uma aventura e tanto submergir nas profundezas escuras ao embaixo de um espelho de fogo. A nossa geracao se vende tao facil as coisas que achamos que descobrimos primeiro. A cidade eh um grande prostibulo. Um americano estava tocando violao e eu falei, cara, voce quer parar de tocar, e ir aproveitar a festa? Ele falou: Dude, i don't wanna talk to the people. They're all the same. They're all american, i hate them. You're cool because you're from Brazil, that's okay. E continuou a tocar. E entao ele tocou In My Life e eu tive que sair de perto porque toda vez que ouco essa musica eu quase choro. Havia uma fogueira e ao redor da fogueira apenas a escuridao de campos e gramados vazios e chatos. Dela poderia vir ou ir qualquer figura despercebido. Do negro poderia surgir um estranho completo e da festa poderia se perder ao escuro um bebado completo.
Eu cresci sozinho, uma pessoa sozinha. Mas eu descobri hoje que nao consigo viver sem compartilhar do mundo com uma pessoa. Uma ou mais. Eh uma grande descoberta pra mim. eu estou criando vinculos. Que sensacao unica. Estar no palco, em um show de rock, com o microfone, e todos meus amigos no escuro por tras dos holofotes, e todos meus amigos com instrumentos ao meu redor esperando eu dizer a eles qual musica tocar. Eh um grandioso sentimento. Eh como uma metafora para o meu sentimento da vida inteira. Eu no palco sou igual eu fora do palco, falando para mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Explicativo, incerto e errante. there's thunder and there's lightning a thousand miles away. Eu nao sei como eu acabo tendo tantos amigos que sao tao diferentes de mim. Muito diferentes mesmo. As vezes me sinto o oposto polar completo de cada pessoa que fica em pe ao meu lado. Mas eu tento ser um oposto polar complementar. Um semi-circulo que completa a figura da lua cheia. Vinculos... Palavra metalica e moderna no formato. Quase uma escultura de metal art-nouveau. Eu quero pular em cima da escultura como em um touro mecanico e abraca-la como uma menina abraca um grande urso de pelucia. O aniversario do meu irmao foi incrivel. A gente foi ao que eu posso apenas descrever como o Paraiso de todo menino crianca. Las Vegas para as criancas. Havia karts, uma piscina com barcos motorizados que se dirige que nem kart. Aquela brincadeira de armas, lasers e luzes piscantes no peito. Mil brinquedos do genero daqueles que tem em Chico Cheese que voce brinca e ai saem bilhetes que voce pode trocar por um brinquedo escroto na vitrine. Guitar Hero. DDR. Um simulador de realidade virtual. Um daqueles brinquedos compostos por tubos de plastico e escorrega daquele tipo em que se perde crianca, o maior que eu ja vi. E ainda por cima havia pessoas com grandes roupas de urso e de animais diversos andando por ai enganando as criancinhas. O Joshua se divertiu muito. Foi muito muito muito bom. De certa forma, eh como se eu tivesse vindo aqui para estar presente no aniversario dele. Ele vai se lembrar daquele aniversario pelo resto da vida dele. E eu estava la. Eu dei uma bola de basquete pra ele. Meu pai deu um poster dos superherois pra ele colocar no quarto e um videogame de mao e um taco de beisebol macio que eh pintado pra parecer um sabre de luz. Ele tambem ganhou muitos kits de pintura porque todo mundo em Boulder eh artista. Ele ganhou um kit de giz de cera, do tipo que voce usa pra desenhar no asfalto, que vem com um oculos 3d e que voce ve os seus desenhos em 3D. Ele vestia uma blusa azul com um adesivo enorme amarelo escrito: I'm 5 Today. E eu vou sentir muita falta dele quando eu retornar ao Brasil. "Lost in Boston, drinking rum and chocolate"
Sao 5 da manha. Porra de insonia. Maldita companheira. Maldita erotica sedutora e predadora. Ela me pendura nas paredes tao facilmente. Me pendura do teto como um ventilador e eu giro lentamente como uma pinhata, esperando o sol vir me arrebentar, esparramar as balas na minha barriga por todo o chao. O ceu esta da cor da sua pele. Eu gosto tanto de como voce eh pequena dentro da minha cama. Toda se cobrindo, ouvindo musica, ligando e desligando a minha lampada. Se sentindo segura. Comigo, quando voce se sente segura, voce sorri e dorme e me abraca. Com os seus amigos voce sorri um outro sorriso e bebe ateh tudo virar um fluido ininteligivel de luzes neon, vozes incoerentes e musica de festa. Mas voce soh consegue fazer um de cada vez, eh tao fofa. Como um gatinho com olhos enormes tentando pegar as coisas com as patas minimas. Sabe, eu decidi que estou sendo horrivelmente cruel falando pra voce esperar por mim e falando pra voce nao amar mais ninguem. Eu sei que voce gosta de ouvir, e eu gosto de falar. E eu gosto de querer isso. Mas eu nao vou falar mais. Porque eh cruel. Eu te amo. Bom dia. Ja sao 8 da manha no Rio mas voce deve estar em profundo sono. Como foi a festa? Como vai a Mel? Esta fazendo sol e voces vao na praia?
Eh hilario os Violent Femmes terem um cd de Greatest Hits porque todos os hits deles estavam no mesmo cd.

domingo, 19 de abril de 2009

O girino que entrou em Deus

Meu coração é perfeito
Estou prestes a morrer de vida
O mundo que me persegue
é um balão desafiando o estouro
Conheço todas as almas que há
Conheço seu gosto d'água
Os momentos pedem minúcias
gestos, nomes e rostos
Mas o tempo só conhece a grandeza
A união húmida das coisas
Faz frio em Saturno
e eu sou pequeno
Há fraturas demais na mente
que chamo de emoções
São estrelas que avistei das montanhas
uma vez anos atrás
Antes de romper a bolsa
antes do grito por oxigênio
De repente retornei ao líquido
pra nadar entre as esferas
De forma que não consigo
retornar ao verso
retornar à terra
Está chovendo.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Gorgonzola, o Brie, o Roquefort e o Montesquieu

Jaqueline, feche a porta querida, para que o zéfiro de final de outono não invada. E traga o vino e as uvas frescas que colhestes na madrugada, a secura do jantar irrita o sóbrio paladar. Jaqueline, busque depressa as luvas brancas de Mademoiselle Croissant, ela terá de nos deixar a essa hora blásfema par non deixar que os cavalos adoeçam com a friagem de la nuit. Oh Louise, permaneçoir por não mais que trinte minuits, brindemos a tu imortal juventud! Bien bien, se não será convencido, vá! Por não torturar a melancolia do abandono. Jaqueline! As luvas brancas!

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Morto Vivo

Ele acordou sem expressão em seu rosto pálido. Ele acordou em uma hora vaga entre a manhã e a tarde e através das lentes tingidas de seus oculos escuros via o teto em bege escuro, e o ventilador monotono ainda girando persistente, lentamente balançando como se cada giro fosse um esforço. Ele (o rapaz) acordou e não fez força para abrir os olhos ou desentorpecer sua expressão. Não havia sons nenhuns, além do zumbido do ventilador. O teto e o ventilador, sépia, e o menino deitado ali sem a mínima vontade de começar a pensar. Sentou-se na cama ainda sem ligar o cérebro. Deixou o silêncio da casa ecoar por dentro de si. Seu cabelo quando acordava parecia que acabara de ser arrumado para um show de rock, todo espantalhado. O rapaz se contemplou antes de sair do quarto. No quarto havia apenas a cama, o teto, o ventilador e ele. Vestia seu cabelo espancado, uma camisa dos beatles velha e amassada, um samba-canção branco com coraçoes vermelhos e seus óculos escuros tingidos de marrom que deixavam o mundo em sépia. O suficiente, pensou. Saiu do quarto e espirrou porque no corredor escuro fazia mais frio. Esticou a mão esquerda à parede e deixou que ela o guiasse até o fim do corredor, até a cozinha, onde abriu todos os armários debaixo da pia até achar a caixa colorida do cereal matinal. Abriu a geladeira, abriu mais armários, sem abrir a boca ou os olhos completamente. Logo possuía uma tijela cheia de leite e cereais fibrosos, uma colher especialmente redonda e côncava e um copo de vidro alto cheio de cerveja quente e gelo. Derramou leite no chão e, quando esticou o braço para tentar buscar o pano, derramou cerveja também. Então deixou pra lá tudo e se encostou contra a bancada de madeira pra comer, molhando sua meia no estrago. Tomou um gole grande e demorado do copo pra molhar a garganta. O gosto amargo lhe contorceu o rosto, lhe deixou com careta, o nariz amassado e a língua pra fora. Gosto de saliva seca que passou a noite na boca dele e de cerveja seca que deixaram a noite inteira aberta na mesa. Cheiro de água suja e gosto de vômito. Encolherou o cereal e, pingando leite, enfiou na boca. Cospiu em seguida, no chão mesmo, enojado. Igualmente amargo, o leite devia ter estragado. O rapaz nem se lembrava de ter comprado leite. Olhou para a tijela e o líquido branco suspeito. Cheirou. Não cheirava a nada. Comeu um cereal e cuspiu novamente. Gosto de vômito. Jogou a tijela cheia, a colher redonda e o copo de cerveja dentro da pia de metal. O que ele queria mesmo era uma boa carne. Vermelha e suculenta. Um bife, quase cru, com sangue escorrendo ainda. Lembrou de uma cena em um filme que havia visto em que um homem matava um búfalo e em seguida cortava um pedaço de sua carne roxa e molhada para comer ali. Ainda quente com a vida pulsante do animal. O rapaz sentiu então grande fome e pena que não haviam búfalos no Rio de Janeiro. O semelhante mais próximo que ele conseguiu imaginar eram os macacos pregos na floresta da Urca ou os cavalos de Paquetá. Ainda haviam cavalos em Paquetá?

segunda-feira, 30 de março de 2009

Abismo

Agachado com os cotovelos nos joelhos, Maio inclinava-se em direção ao chão, aproximando seu rosto queimado de sol às areias e pedras vermelhas daquele terreno seco. Coçava sua barba ruiva com os dedos cicatrizados sem desviar o olhar daquela terra surrada e há tempos miserável.
-Vivei…
Seus lábios rachados mal lembravam as sílabas.
-Vivei.
Sua oração roçava no calcário com a hipocrisia do orgulho enrijecido.
-Vivei. Pelos infernos donde viestes, vivei. Pelas putas que vos pariram, que o diabo e a eterna maleficência me tomem e me rasguem o ser. Vivei. Vivei ao menos por Julieta. Pobre linda Julieta que casará nua e assustada sem nome que dignifaça o papel. Vivei, merda!
O abandono do sol branco batia à porta e no platô empoeirado os demônios da ilusão perpétua já despertavam sedentos. Maio sacou sua adaga improvisada, feita no ardor a partir d’uma pedra de face estreita que havia alisado feito lâmina. De hábito, se pôs na espreita sem precisar do desagacho. Tencionou as costas vermelhas em seus nós sofredores. Eriçou as orelhas pontiagudas e o cabelo sangrento. As cores do por do sol traziam frio desolado e selvageria. Maio contou 13 que ele mesmo havia nomeado. Imbatíveis e sarcásticas, as sombras já rastejavam em círculo ao redor de seu corpo, na maioria ratos e menores criaturas procurando ou abandonando suas tocas. Olhos brancos brilhavam na escuridão como estrelas esfomeadas na transformação macabra do crepúsculo. Maio voltou-se a seu comando iludido das ignóbeis rochas vermelhas.
-Pela fecunda misericórdia, pela mão que afaga. Pela Julieta. Não deixai-me morrer em vão.
A luz dourada e roxa já quase toda dissolvera-se na escuridão.
-Não fui político com a multidão, sempre discursei da honestidade, bebi d'água limpa do coração. Se fui cobra ou esperneei, se causei a ruína, não foi por índole ou sagaz feitio. Se houve, foi pela turva visão ou pela fé ingênua. Vivei. Fazei de meus fortes perdas, extirpai-me o tato ou cortai-me a jugular, mas vivei e salvai minha filha. Pelo oásis que transforma o infiel, pela salvação pura. Ego solvo vos ex is Terra. Servo suus decorus vita.
Começou então o ruído. Inaudível de início, cresceu até ser claramente discernível. O arrasto de pedras, o rachar das rochas, cresceu até a areia grossa tremer. Vibrando e rolando, a superfície arenosa começou a se estalar em erupções. Trovejante, o chão ergueu-se em ruptura como um edifício nascente, se afastando de Maio que caira no pó em admiração incrédula. Uma grande fenda abriu à sua frente e o corte foi desmoronando, carregando com si as pequenas pedras a quais rogava. A cacofonia do movimento das placas de minério e cálcio ensurdecia-lo. Tentou escapar em surto, com as mãos esfoladas agarrando-se a Terra, mas o abismo crescia como a crista de uma onda e a beirada desaparecia rapidamente. Até que Maio, ainda jogando os braços adiante em fúria, sumiu também. Nesse instante a rocha que escalava aos céus como uma construção urbana caiu também. Despencou para frente com a força titânica das montanhas. Por cima do abismo. Explodiu tenebrosamente contra a outra parede do desfiladeiro. Afundou tudo como areia movediça e uma nuvem vermelha formou-se. O pó cor de abóbora preencheu o ar como um copo d’água, diluindo, engolindo impiedosamente. Restou apenas o pó. Finalmente a noite chegara ao deserto.

terça-feira, 24 de março de 2009

Simples

A mente é uma coisa curiosa, né?
Como as coisas às vezes parecem encaixar
E outras se debaterem, erradas
Como não sabemos nada, ou quase nada,
mas provavelmente é nada
Mas queremos saber
Mas as vezes não queremos saber
Curioso não?
Dizemos coisas que não sabemos se são verdades
E acreditamos justamente
Nas que menos parecem reais.
Como nos tornamos menos e
Menos flexíveis
de forma grotesca
como se ficássemos burros
cada vez mais burros
Acho gozado!
Penso para mim
várias coisas
falo zinhoso
sozinho, digo.
Mas
eu
te
amo
e
engraçado como eu disse isso, né?
Saiu assim, como quando um peixe
Abre a boca pra respirar
Mas
peixes não respiram com as guelras?
Curioso mais uma vez.
Eu te amo
eles devem estar dizendo
Quando abrem a boca
Ou quando
Antes do filme
Aparecem aquelas letras todas sobre direitos autorais e formatos de telas
Eu te amo
Elas devem querer dizer.
Pelo menos
Quando eu as vejo
Acho curioso
E quando
Em qualquer lugar
Qualquer dia
Eu acho as cosias curiosas
Acho que é por ti amar
Ou te amo separadamente
Sem parar
E as coisas se encaixam
Não que eu me encaixe
Nas coisas
Ou em ti
O que
Por si
É bastante curioso.
Como um ato de circo
Ou a pipoca estourando
cheia de vida
cheia de alegria
Por estar viva
Adoro pipoca
Cheiro de pipoca
Lembra aquela vez
Que voce colocou sal demais
Mas eu comi mesmo assim?

Súplica II

Beija-me, Maquiavel. Quero teus carinhos falsos. Quero os ácaros de tuas peles. Morde-me, me tranca no porão, me chama de beldade eterna. Ópio inalo, queima-me cheiro de cocaína, peste. Quebra-me o espírito e manda para o infermo. Peste influenza, quero as tuas manchas nas minhas, infecção, loucura. No branco dos meus olhos injeta tua agulha infeccionada. Afeição, me toca suave, me beija me beija, diz que sou linda. Podridão, me toca suave, me beija me beija, diz isso cuspindo. Quero sexo, vadio e violento, em público, escândalo escroto eu quero gritar bêbada obscenidades na cara enrustida da alta sociedade. Dos meus pais e meus padrastos, professores, seguidores, amantes e antecessores. Quero o repúdio, a piedade, o escárnio e a compaixão falsa em um prato sujo ou uma quentinha amassada preu devorar como uma besta no embaixo sujo da mesa. Quero ser chutada. Ai Maquiavéu me ama me diz coisas bonitas embaixo das cobertas, me separa do resto, me toma de mim mesma.

Súplica

A sua risada é um escarro maléfico Maquiavel, e os botões de seu blazer são como pregos pretos no seu peito presos. Suspeito que não haja em você coração, você que não palestra sem ar limoso, cheio de líquen nos dentes. Você sequer dedica o menor pensamento aos corações despedaçados que deixa em seu rastro? Como você consegue implantar tamanha futilidade nas pessoas, deixá-las ocas e escavadas, desacreditadas com a vida? O gelo no teu bafo ladro, quando professas amor, é como o gelo da morte. Tem jeito de político ou pregador, prometendo cá e lá juramentos que se anulam, morto por dentro, e espalhando tua moléstia em desfarce como um verdadeiro advogado do diabo. Maquinavel, você com as boas intenções e a arma na mão suada, abaixa-te, curva-te e desgasta esse teu rancor por ti próprio. Pára com as falas de roteiro ou desliga a câmera, nenhum aqui é ator, além do teu. Ela que chora, chora. Aquela que fala, fala de dentro. Ali na janela, meiga, ela sente medo real. A chuva não veio em garrafões, as casa ali não são papel. Pára com tuas mãos de papel, beijos de papel, hálito de hollywood. Tira esses óculos escuros, Maquina.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Os telefones, a tristeza, o aeroporto e a tempestade.

Diário de bordo de um futuro escritor de cinema. 18 de março de 2009. Altitude: 10.347m. Horário: Entre meia noite e uma hora. Temperatura Externa: -44 graus centígrados. Localidade: Saindo de Guiana e entrando na Venezuela, ou pelo menos seus respectivos espaços aéreos.
Lugar: Solidão.
Não tenho fixação pela morte, nunca fiz o tipo. Mas quando decolamos ao meio de raios, tenebrosos trovões e chuva monçônica é difícil não deixar a imaginação levar. Sou forçado a me conter para não comentar com o viajante ao meu lado sobre a beleza eufórica de ser tomado a vida pela ira de uma tempestade. No interior dos meus olhos, tenho apenas visões de explosões, metal sendo amassado como papel , fogo e o tapete negro do oceano. Quando a turbulência é finda e a iminência do desastre se esvai, retiro-me à solidão, eterno lar no escuro. Na pista de decolagem delirei a imagem de um velho cego e um cachorro ao seu lado. Fizeram sombrio o tom da noite, de pé ali no concreto, na chuva, sob a luz branca emitida como farol pela torre de comunicação do aeroporto, esperando. Curvado por trás dos vinte centímetros de acrílico frio da janela, me senti doentio ao vê-los, tomado violentamente pela morbidez. Percebi que estavam virados em minha direção, mesmo a distância enxerguei o branco dos olhos do velho e juro que me viam através da noite. Me penetravam como a chuva áspera e congelada que batia na carcassa branca e artificial da aeronave. Delírio. Mantenho acesa a lanterna de meu assento para que eu possa escrever, o resto da tripulação desaparece na escuridão. Pelos cantos de meus olhos tenho a impressão de avistar uma figura negra se movendo por entre as fileiras. Cochilei e acordei gritando ao ver a figura ao lado de meu assento, enorme e imponente, imersa em garbos pretos como o desespero, a morte chegada. Mas era fantasia de minha mente aflita, perturbada, havia apenas a escuridão do vôo e as luzes fracas das lanternas de outros passageiros. Me tranquei no banheiro com meus papéis e caneta. Quero chorar. Não aguento mais sua ausência em minha vida. Posso dirigir, tocar Rolling Stones na guitarra ou filmar roteiros inteiros em Nova Iórque com a camêra enferrujada de uma amiga loira e simpática, mas todas essas coisas não fazem sentido senão para me aproximar de ti de alguma forma até então misteriosa.
Não faço idéia mais, estou vivendo a vida na sorte, deixei o instinto me tomar. Um homem solitário, porém, hei de ser enquanto permanece a distância. Como posso me aproximar de alguém enquanto viajo 5 mil kilômetros em uma lata fálica voadora na outra direção? Suponho que estou traçando meu destino, confiando nele para me encaminhar ao redor do mundo e pousar no conforto de seu quarto, encharcado e idiota no seu coração. Delírio? Não tenho medo da morte. 86 páginas de Clarice Lispector em um novo país. Não é uma mulher especificamente destemida, ou especialmente apaixonada. Não consigo a ver amando a um homem. Onde será que eu encontrarei respostas? Será que sou capaz, como eu mesmo disse, de encontrar a plenitude? Mesmo escalando as montanhas de Japhy, mesmo me embriagando como Tom ou meditando como John? Mesmo com ou sem você, ou vivo ou morto? Eu teria sido um péssimo carteiro e um ótimo piloto, eu acho. Oh a solidão. Oh morte. Morte solidão, planeta azul escuro, destino… Turbulência.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Despertar, primeiros goles de ar, primórdios. Amor e Saturno.

Acabo de acordar de um profundo, profundo sono. Sinto-me aterrisado após o medonho deslize, firme após cegueira e surdez. Das profundezas imerso, finalmente quebro a superfície e engulo ar fresco como vida pura e gelada. A pureza, será ela que encontrei? Desentorpecido, acabo de acordar de um profundo, profundo sono.
Sonhei que éramos amigos. Sonhei também com o abandono.
Sonhei que era eu o desabrigo. E pela parede o sono.
Mas já não lembro esses sonhos, sumiram sem rastro visível.
Sou eu o quadro que está torto? Meu mundo desfeito e simples.
Aquilo que você possui, aquilo na sua sala, não te define, não te desenha, não ama nem te suporta.
Vinte um vezes três reais, me dizem, ainda não paga a conta.

Se você quiser se casar comigo, ela diz, abra espaço pra mim na sua vida. Pode ser entre o café da manhã e as gardênias no jardim, mas seja verdadeiro e seja todo meu.

-Você tem dificuldade em dormir à noite? Você fica acordado, cansado, desfeito pelo insossego, às vezes?
(Pausa, reflexão e calma)
-Não.

No chão da cozinha: água, o vazio da madrugada e uma figura escura. Na poça o reflexo preto do meu cabelo molhado. Esconderijo de topeira, lar de morcegos, minha mente, minha caverna. Minha caverna negra com as rosas esculpidas pelas rochas. Meus olhos brilham na noite. Tenho me escondido por trás de um atalho de listar as coisas. Sentado na água, de calças molhadas, finjo poesia na improbabilidade das imagens randômicas. Minha voz sai rouca pela garganta. Falo dos lençóis dobrados, das moedas no pano da mesa, dos livros amontoados, que como eu acumulam poeira, e dos milhares de copos na sala depois da festa. Mas não há real sentido em tais objetos. A festa acabou há muitas horas e todos partiram estupefados com o álcool, os diálogos gritados e as bocas cheias de batom e dentes. São desvios da atenção pra eu enganar e fazê-lo desperceber o vazio por trás do meu discurso. Como o sorriso da Marilyn, os sapatos de Alice ou o charuto de Fidel.

Sobre ela:
Ela diz que se inspirou nesse trecho, saberia ela que era ela própria minha inspiração?
"Se não fosse pelo instinto animal de fazer parte do gigante rebanho, ela seria um herói. Se não fosse por aquela indesejada vontade de ser mais uma na multidão ela seria o líder da multidão. Ou pelo menos um na escuridão. Pois quando ela nasceu falou e quando cresceu calou-se. E todos os outros sabiam o que significava isso (afinal de tudo não eram uma raça tão básica assim), e a excluiram de certa forma por causa disso. E ela perdoou."
É com tanto orgulho que a vejo hoje se tornando um herói.

Sobre mim:
Completa, você me completa. A metáfora desmascarada, por trás das palavras escritas percebi a verdade inquebrantável. Meu coração está em suas mãos. Sinto elas quando vou dormir. Mesmo sem te conhecer direito eu sei. Sei porque atravessaria o inferno para chegar a ti. Sei porque seu nome ecoa pelas paredes de meu quarto e de minha boca. Seu nome é a mais bela certeza e a única que seria sincera descrita nas paredes de meu corpo humano.

Sobre Saturno:
Era um fio de luz crescente. No preto, no vácuo, no rasgo do peito. Uma cobra cometa crescente, enchendo, assobiando transmissões de rádio. Fantasmas pela vastidão inóspita do espaço, as ondas magnéticas reverberavam pelos corpos celestes e moldavam o futuro divino do universo em oníricas esculturas cósmicas. Gigantes de pedra e gás, deuses gregos, majestosos satélites.
Saturno quer ser rei. Ergueu bandeiras com as cores de guerra, um estandarte insolente. Dizem que quer duelar com o sol. Dizem que deixou sua órbita. Está a escrever grandiosas declarações de batalha, poemas fortes para transformar o universo. Dizem que ensandeceu e vai colidir com Netuno. Desencaminhar a curva do tempo/espaço. Suas luas estão todas cheias e reluzentes, como esferas de luz flutuantes, como os olhos dela na noite.