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segunda-feira, 9 de março de 2009

Despertar, primeiros goles de ar, primórdios. Amor e Saturno.

Acabo de acordar de um profundo, profundo sono. Sinto-me aterrisado após o medonho deslize, firme após cegueira e surdez. Das profundezas imerso, finalmente quebro a superfície e engulo ar fresco como vida pura e gelada. A pureza, será ela que encontrei? Desentorpecido, acabo de acordar de um profundo, profundo sono.
Sonhei que éramos amigos. Sonhei também com o abandono.
Sonhei que era eu o desabrigo. E pela parede o sono.
Mas já não lembro esses sonhos, sumiram sem rastro visível.
Sou eu o quadro que está torto? Meu mundo desfeito e simples.
Aquilo que você possui, aquilo na sua sala, não te define, não te desenha, não ama nem te suporta.
Vinte um vezes três reais, me dizem, ainda não paga a conta.

Se você quiser se casar comigo, ela diz, abra espaço pra mim na sua vida. Pode ser entre o café da manhã e as gardênias no jardim, mas seja verdadeiro e seja todo meu.

-Você tem dificuldade em dormir à noite? Você fica acordado, cansado, desfeito pelo insossego, às vezes?
(Pausa, reflexão e calma)
-Não.

No chão da cozinha: água, o vazio da madrugada e uma figura escura. Na poça o reflexo preto do meu cabelo molhado. Esconderijo de topeira, lar de morcegos, minha mente, minha caverna. Minha caverna negra com as rosas esculpidas pelas rochas. Meus olhos brilham na noite. Tenho me escondido por trás de um atalho de listar as coisas. Sentado na água, de calças molhadas, finjo poesia na improbabilidade das imagens randômicas. Minha voz sai rouca pela garganta. Falo dos lençóis dobrados, das moedas no pano da mesa, dos livros amontoados, que como eu acumulam poeira, e dos milhares de copos na sala depois da festa. Mas não há real sentido em tais objetos. A festa acabou há muitas horas e todos partiram estupefados com o álcool, os diálogos gritados e as bocas cheias de batom e dentes. São desvios da atenção pra eu enganar e fazê-lo desperceber o vazio por trás do meu discurso. Como o sorriso da Marilyn, os sapatos de Alice ou o charuto de Fidel.

Sobre ela:
Ela diz que se inspirou nesse trecho, saberia ela que era ela própria minha inspiração?
"Se não fosse pelo instinto animal de fazer parte do gigante rebanho, ela seria um herói. Se não fosse por aquela indesejada vontade de ser mais uma na multidão ela seria o líder da multidão. Ou pelo menos um na escuridão. Pois quando ela nasceu falou e quando cresceu calou-se. E todos os outros sabiam o que significava isso (afinal de tudo não eram uma raça tão básica assim), e a excluiram de certa forma por causa disso. E ela perdoou."
É com tanto orgulho que a vejo hoje se tornando um herói.

Sobre mim:
Completa, você me completa. A metáfora desmascarada, por trás das palavras escritas percebi a verdade inquebrantável. Meu coração está em suas mãos. Sinto elas quando vou dormir. Mesmo sem te conhecer direito eu sei. Sei porque atravessaria o inferno para chegar a ti. Sei porque seu nome ecoa pelas paredes de meu quarto e de minha boca. Seu nome é a mais bela certeza e a única que seria sincera descrita nas paredes de meu corpo humano.

Sobre Saturno:
Era um fio de luz crescente. No preto, no vácuo, no rasgo do peito. Uma cobra cometa crescente, enchendo, assobiando transmissões de rádio. Fantasmas pela vastidão inóspita do espaço, as ondas magnéticas reverberavam pelos corpos celestes e moldavam o futuro divino do universo em oníricas esculturas cósmicas. Gigantes de pedra e gás, deuses gregos, majestosos satélites.
Saturno quer ser rei. Ergueu bandeiras com as cores de guerra, um estandarte insolente. Dizem que quer duelar com o sol. Dizem que deixou sua órbita. Está a escrever grandiosas declarações de batalha, poemas fortes para transformar o universo. Dizem que ensandeceu e vai colidir com Netuno. Desencaminhar a curva do tempo/espaço. Suas luas estão todas cheias e reluzentes, como esferas de luz flutuantes, como os olhos dela na noite.

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