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domingo, 30 de agosto de 2009

Eu perdi você no mar, disse o homem.

-- Eu perdi você no mar, disse o homem.
-- Eu tinha asas de amor, deslizei pelas ondas e de uma crista verde lancei vôo.
-- Conheceu o céu?
-- Mergulhar nos braços do vento. No frescor azul da atmosfera. Foi como amar a Deus. Uma mulher nua no alto do céu, eu dei meu amor à Terra. Pássara, estrela, ponto luminoso no astral, de meus seios ofertei o leite como chuva ao mundo. Me transformei em uma cinzenta nuvem, cheia e linda, mãe dos meninos de rua.
-- O seu amor é tão bom, ele transborda pelos seus olhos como uma enchente, monção. Eu sempre me banhei e deixei carregar. Como uma criança mesmo.
-- Que bom que você voltou.
-- Meu coração estava seco. Eu acho que demorei tanto por não conseguir sequer acreditar que era possível meu sangue parar. Mas parou e esfriou. O amor precisa que você cuide dele como uma planta, como um bezerro ou qualquer ser vivo. Precisa de luz também. Eu desci ao fundo de um abismo onde nenhum raio alcançava.
-- O que mudou?
-- Eu vi uma menina. As pessoas passavam por mim como escolas de peixes ou folhas mortas. Eu havia desacreditado na pureza há tempo. Na escuridão não se enxerga. Mas uma menina, tão pura, sentou em frente aos meus olhos e me cegou. Como olhar para o sol, só vi luz, queimando minhas retinas e devastando os escombros dentro de mim. Limpou-me por dentro. Teias de aranha, poeira, os fantasmas, vestígios dos amores passados, o rancor... sumiram como as estrelas na manhã clara. Eu nunca saberia que tanto residia dentro de mim. Tantas entranhas.
-- A luz é boa não?
-- Limpa, doce, pura, minha, sua, tão bela, rei e rainha do universo, a luz é boa.
-- Sim.
-- Sim.
-- Vamos deitar aqui e construir uma casa?
-- Uma casa de madeira.
-- Ao pé do oceano.
-- Ela já está pronta. Vê ali, com o filho aprendendo a andar na areia?
-- Oh!
-- Não falta nenhum. Nunca faltou.
-- Falta viver, o futuro.
Ele disse, então, um lindo poema sobre o futuro. Na primeira estrofe começou a chover, na segunda um cavalo se aproximou, cavalgando pela areia, e passou em um galope forte, cheio de vida e honra inabalável. Na terceira estrofe o filho se tornou rapaz e se casou com um moço negro que sempre amou. Na quarta estrofe a chuva arrouxou e o homem e ela fugiram para o santuário da casa de madeira e os lençóis compartilharam. A última linha do poema falou-se no vento, enquanto a noite chegou como o silêncio da alma.
A Terra não vive e morre sozinha.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

-- Olá
(e ele sorri)
-- Quem é você?
-- Eu... sou o escritor.
-- Sobre o que você escreve?
-- Eu escrevo a história do fugitivo.
-- Do que ele está fugindo?
-- Da dislexia das pessoas... dos espaços pequenos.
-- Qual o seu nome?
-- Não sei, quando o encontrei ele já estava fugindo.
-- Então como sabe do que ele está fugindo?
-- Da mesma forma que todos escritores sabem o que se passa com seus protagonistas.
Eu chutei.
-- Umm.
-- E você? Aonde você vai de noite?
-- A noite? Eu vou para o inferno.
-- Faz amigos por lá?
-- Muitos, mas... pouco confiáveis.
-- A sim.
E você é feliz sem mim?