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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Taquicardia

De miúdo e esparso o sonzinho cresce. Um tremer d'um zumbido de abelha, um fio gudo aguçando e abrindo. Um som por trás do barulho, quase imaginário, lá no fundo do mundo escuro lá fora. Mas está crescendo, está mudando, se aproximando, você sente pela vibração no ar e da lâmpada acesa. De repente o som adentra seu quarto, enorme, estrondoso, preenchendo as paredes, e você reconhece a criatura-melodia. Ensurdecedora, retumbante, penetrando pelos seus ouvidos e invadindo seus pulmões, é a nona sinfonia de Beethoven que cresce e se torna imensa titânica. Cantam vibrantes em operettos e falsettos, sopranos e contraltos, polífonos barítonos clarinetes e violinos aleggros sticattos crescendo flautinas sinetas agudos tinindo a capella em glória soada aos deuses. Sua pele formiga vibrando, pelos seus braços e adentro sua boca. A lâmpada acesa no teto se expande, ofuscante, queimando um incêndio, sua retina em um fogo, um calor que te possui e seu corpo sua encharcado pelos braços e as costas molhadas às pernas que violentas tremem. O intenso brilho penetrante consome sua visão, te cega. A sinfonia ressoa tempestuosa, atravessando a luz branca, o calor extremo que te come por dentro, e acima da orquestra sua respiração doente, desesperada, o bater surdo do seu coração como uma pancada ao tímpano. Sua boca seca e cheia de dentes e línguas traga o mar vermelho do oxigênio quente, esbraseante, do quarto. Não está mais ali. Está na intensidade, no fogo, no inferno, seu corpo está imerso na presença clara de Deus. Não tem controle, se entrega. Cego, tremendo, não sabe nem mais do seu corpo, que era. A pressão do coração batendo é forte, te nocauteia. 5 litros de sangue entram e saem do seu coração. Vuvum, vuvum, vuvum, vuvum. Você sente o pulsar do órgão com a mão no peito que o segura. Ainda cego, com os olhos abertos em uma densa névoa luminosa, sente os dedos e os joelhos. Param de formigar. A quentura esfria. A língua fria lambe e molha os lábios novamente. A sua respiração se acalma. A luz se retrai lentamente e você percebe o quarto que sempre esteve ali. O quarto vazio com a cama desfeita, o armário de madeira escura e a porta que dá pro mundo.