Páginas

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A igreja e o corpo que deixaram na porta.

Eles vêm a mim como a morte. Como uma madame, um vestido preto e pernas pálidas em cima do piano. Eles me dizem, com o estilo nos bolsos e nos penteados, tudo que quero ouvir da boca de uma amante. Um gemido de prazer, mancha de estrago nos olhos maquiados. Cocaína no banheiro, eles dizem diamantes e afagos, como prazeres. Eu puxo forte o vento pelos dentes pra ser duro pra ela. Um jogo maníaco e depravado em que faço-me impassível e imoral. Ajoelha-te e pede perdão. E ela aquiescente a cada palavra, o fogo nos lábios molhados, os olhos pedantes. Eles vestem ternos e gingam como o jazz. Eu quero um terno de corte moderno. Um escritório vazio, paredes de vidro, no topo do mundo, e ela deitada em cima da mesa, vestido preto largado no chão. Eles sussurram no meu ouvido que tudo é possível, como o doce da serpente. Vou mastigar-te e delirar no doce. Duro, impassível, filho da puta. Enfiarei a mão em você e apertarei teu coração pra te ver derreter como água quente pela minha pele. Vai chover no quarto de hotel escuro. Vai chover como tempestade, hurricane, furacão. Nuvens titânicas circulando nosso lascivo hedonismo. Os trovões vão gritar com ela. Já vi esse filme, conheço esse clímax. Com notas de cem dólares na cabeceira e as listras da luz acesa pelas fendas da porta do banheiro. A cocaína e as marcas frescas nas minhas costas, no rosto dela, nas pernas dela, nos peitos dela e nas costas dela. Eles me prometeram tudo e paguei caro. Nos espelhos, por trás das linhas brancas, vejo meu rosto enrijecido, cheio de sombras. Deixei o adolescente que sustentava em mim na porta do inferno e comi diversas secretárias jovens e auspiciosas na descida de elevador. Agora bebo tequila da barriga de uma loirinha com menos de 20 anos que me promete tudo com os olhos. Aceitei o libidinismo do mundo. Aceitei as políticas e as corporações. Minha vida é dividida em sucessos e... Bem o resto não me importa. Meu carro brilha como meus óculos escuros. Não sei e nem me importo o nome dela, a gente desliza em perdição ao banco de trás. Ela só sabe o nome do meu carro e a fineza da minha voz. Chove dentro do carro. Chove baldes de água fria que bate e ondula entre nossos corpos nus. Chove durante todos os dias, como se o céu chorasse por mim. Pelo meu adolescente que deixei morto com tiro na garganta. Chove como uma ópera, lágrimas pelo rosto do contratenor. Chove como na floresta, verde como o dinheiro, molhada como meu suor falso. Ela é falsa e ordinária, a desprezo. Mas não deixo de esperar o clímax com gosto pela auto-satisfação. Meu sorriso é uma ironia da minha vida inteira enquanto ela cai ofegante no banco de couro, em estupor póstumo. E abro a porta do quarto enquanto visto o terno, andando com meus passos de jazz ao elevador. A luz elétrica e a câmera de vigílio do motel me escoltando de volta a donde vim. A porta do elevador abre e dentro dele, como havia de se esperar, uma secretária, ruiva, com a saia curta e a blusa justa. Descendo. Sempre descendo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário