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sábado, 14 de agosto de 2010

Bill e Paulo.

-- Eu não quero... Eu temo fazer essa pergunta, essa pergunta que parece ser sua ruína, sua sina, sua cruz pra carregar nas costas, mas que, como assombração, volta aos meus lábios cada vez que nos encontramos. Tenho de lhe perguntar como o médico tem que lhe enfiar a agulha e o soro na veia.
-- Sim, Bill, Sim. Sei a pergunta, eu sei. Assombração, ruína, morfina na veia, já veio escrito no seu hálito de pastilha e cigarro importado.
-- Paulo, é só responder. Você tem uma resposta?
-- Você podia experimentar mentolados.
-- Me dão fome. Paulo, o livro tem um final ou não?
-- O final é uma instituição do passado. Os romances modernos são desamarrados, recortados, eles são brutalmente honestos e não pretendem a finalidade. O personagem moderno é incerto, desequilibrado, baseado na quebra de princípios ultrapassados como a moral, como a estética perfeita, como início meio e fim. Quando, onde e quem, são perguntas dos roteiristas decrépitos da Era de Ouro enrugada de Hollywood. Nós não fomos apresentados quando chegamos. É ação ininterrupta, Cut to the Chase, geralmente dada por personagens mudos que buscam desesperadamente (assim como o leitor) sentir a mistura paradoxal da originalidade com a familiaridade.
-- Você tem um final?
-- Melhor do que um final, eu tenho ansiedade, insônia, insegurança, um destaque sólido da realidade. Todas fianças críveis de que meu garrancho produzirá obra neurótica o suficiente pra comunicar com as massas nervosas da fragmentada realidade atual. Meu Gran Finale é o vácuo existencial que todos querem reconhecer em si, representado nesse caso pela morte súbita do romance em páginas indubitavelmente brancas. A lacuna cultural. O grande foda-se da arte de volta pra sociedade apática. E não me surpreenderia se o que vier de mim como vingança justificada do meio for interpretado como reflexo penetrante da inaderência dessa geração. Esses apertadores de teclas.
-- Então você não tem um final ainda.
-- Não.
-- Você tem duas semanas.
-- Eu já imaginava pela sua ingrata escolha de meias.
-- Duas semanas e depois eles vão querer uma leitura inicial.
-- Leitada oficial inicial do meu final.
-- Sem prostitutas, Paulo.
-- Meu caro! Cem prostitutas em duas semanas seria um feito muito maior do que o romance.
-- Sem mulheres em geral.
-- Você obviamente não entende nada de romances.
-- Paulo.
-- Bill, não se preocupe com o livro, mas jogue fora as meias.

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